A etiqueta da quarentena

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Fiquei catatônico com essa história toda de quarentena. Antes mesmo das recomendações oficiais, já fugi pra praia e fiquei isolado (ao lado de pessoas com quem já estivera junto por alguns dias). Demorou um pouco até todos entendermos a real necessidade de parar de circular para evitar novas contaminações. Enquanto isso, li meus livros, tomei banhos de sol e debatemos bastante as notícias dia a dia.

Postei muito pouco. De longe e com a internet meio capenga, também não consegui ver muito do feed. Mas notei muita gente fazendo live no Instagram e uma ânsia generalizada em se fazer produtivo e mostrar que não entregou os pontos. É um comportamento trivial e redes sociais, o de querer parecer que está tudo bem.

Na editoria de moda, o conteúdo ficou dividido entre noticiar as movimentações de grandes empresas _quem doou e quem fabricou máscaras_ e manuais de como viver sozinho: o que vestir no home-office (eu mesmo participei de um texto para a revista Exame), rotinas de beleza, listas de música, podcasts e apps de meditação, “dicas” de como manter a sanidade…

Eu mesmo, só consegui escrever sobre a experiência de trabalho autônomo feito de casa e a urgência de lutar contra solidão. Pois essa é a mudança de hábito que vejo mais evidente nos tempos de quarentena, a interpessoal. Chamadas em vídeo, newsletters, ligações por telefone, amigos de janela… Qualquer maneira de estar com alguém sem de fato estar junto vai nos ajudar a moldar essa nova maneira de viver. Ficaremos por muito tempo reticentes ao contato físico, sem beijos, abraços e apertos de mão.

Uma das pessoas que mais percebi a mudança de rotina foi com a minha companheira de eventos sociais, a stylist Manu Carvalho. Não temos saído mais, porém telefone e áudios longos já faziam parte da nossa rotina. No Instagram (@manumoda), ela tem feito uma série de conteúdos práticos de como se vestir para trabalhar de casa, para fazer chamadas em vídeo e até para as escapadas para exercício e os passeios com sua cachorra, a Linda.

Me chamou atenção em especial o que ela chama de “nova cultura de limpeza”. Ou seja, tudo que vem da rua deve muito bem higienizado. “Como o vírus permanece nas superfícies por horas e até dias, o ideal é desinfetar absolutamente tudo, lavar, e ainda deixar os sapatos fora por dois dias. A roupas podem ir direto pra máquina de lavar e vale passar álcool em todos acessórios,” recomenda.

Outras opções de limpeza são desinfetantes ou Lysoform em bolsas e sapatos (especialmente as solas), água e sabão nas joias e bijoux, óculos e chaves, e lenços umedecidos no celular. Para evitar esse trabalhão toda vez, ela planeja bem a agenda para evitar ficar na rua desnecessariamente e montou um kit essencial para deixar tudo à mão. Leia aqui sobre como cuidar melhor de suas roupas para lavar e secar.

“Separei para uma semana um look preto de corrida, um par de tênis e uma bolsa esportiva (de tecido e sem ferragens), que é meu kit de saídas a ser totalmente limpo a cada volta. O mesmo fiz com as jóias/bijoux. Tênis e bolsa ficam direto do lado de fora, na área de serviço, pois são os que vão pra rua comigo toda vez,” descreve Manu Carvalho.

Em texto no Linkedin, o jornalista de moda masculina Lucca Koch chama atenção para a busca pelo conforto _que já era uma ideia recorrente na moda e agora faz ainda mais sentido. Segundo ele, a transição do formal para o casual se dá por meio de modelagens soltas e tecidos tecnológicos, mas também pela maneira de compras novas peças. “Será que o estilo que temos agora condiz com quem somos? Ele está dentro da nossa realidade?”, questiona.

Foi outro amigo jornalista, o João Batista Jr, da revista Veja, que expôs no Twitter a insensibilidade do varejo de moda em tempos de distanciamento social. “Receber e-mails com promoções de roupas durante a quarentena. Parece estranho. E é. Comprar uma calça nova pra que? Ficar em casa? Não consumiremos mais da mesma forma. O comportamento de consumo será outro. O luxo será poder estar na rua, em paz. Sem medo de abraçar um amigo.”

Na TV, a publicidade já mudou o tom. E ao invés de vender produtos, volta a fazer o trabalho de construção de marca das empresas, divulgando mensagens positivas ou anunciando as medidas que tomam de prevenção e de apoio contra a crise. Como vai girar depois disso a engrenagem entre influenciadores e marcas de moda, um lugar de ostentação e logomania? Os influencers fitness tem oferecido treinos e receitas para se fazer em casa, mas e os de viagem, coitados?

Outro aspecto que vale citar pela mudança de hábitos que vai gerar, é a revolução digital forçada da maioria das empresas por conta da quarentena de Coronavírus. Quem vai querer marcar uma reunião daqui pra frente, sabendo que poderia ter sido apenas um telefonema? Liberar funcionários para trabalhar de casa deixou finalmente a aura do mito anti-produtividade. E veremos mudanças também em atitudes mais pessoais, como baixar o aplicativo de pagamento em crédito por aproximação, para evitar o contato com o dinheiro…

A verdade é ainda não sabemos ao certo como será nossa nova realidade depois desse período de quarentena. Alguns desses hábitos de limpeza, de consumo e de afastamento vão ser mantidos indefinidamente, como novas regras de etiqueta. Para muitos, elas podem parecer uma bobagem. Para mim, ajudam a desenhar o mais preciso retrato de nossa época.

This Post Has 2 Comments
  1. Olá, Andre. Adoro você e a galera do phodecast. Sentindo saudade das conversas e músicas de vocês. Cairia bem umas playlists para a galera, hein..
    Na lista de novos hábitos está a tentativa de aprender a cozinhar. Não é tarefa fácil quando os produtos necessários para os pratos não estão sempre disponíveis, exigem planejamento e espaço para armazenamento… Se encaramos como um desafio divertido, tudo bem. O passar do tempo, no entanto, vai tornando tudo mais pesado. Claro que não há como comparar com a realidade da grande maioria dos brasileiros que precisam se arriscar em transportes públicos lotados para garantir a sobrevivência. Lidar com a tristeza de saber da realidade da maioria também é um desafio.
    Tenho 54 anos, praticava atividade física com regularidade, mas o meu trabalho em ambiente corporativo sempre me deixou mais “sedentária” do que eu gostaria. Agora tenho que cuidar de toda a limpeza do apartamento em que moro. Não deixa de ser uma malhação.
    Tenho procurado usar as peças com lavagem mais simples e confortável. Como estou em casa sozinha, não é tão preocupante, mas, onde fica a auto estima e a diversão de trazer cores, formas e beleza para o nosso dia a dia?
    Reinvenção, humor, aprendizado, afetos e muita música.
    Fique bem. Aguardo ansiosa a volta do podcast mais descontraido e gostoso de ouvir.

    1. Paula, obrigado por seu depoimento! A cozinha é o hobby do meu namorado, então tenho aproveitado pra estudar bastante. Tenho sentido falta da atividade fisica tb, mas espero que essas dificuldades passem para todos e que a gente se adapte logo à nova realidade. O Podcast está em quarentena também por enquanto, mas torço pra que esse encontro aconteça logo! x x

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