Freiheit, de Marcio Mota

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Grande parte das marcas brasileiras de moda masculina têm suas coleções construídas na ideia do “básico renovado”, em que as mesmas poucas peças de sempre são atualizadas suficientemente para não ficarem ultrapassadas, mas com muito cuidado para não deixar moderno demais. É essa a diferença da Freiheit, de Marcio Mota, que usa pesquisa e inovação em design para cimentar as fundações de sua marca. O nome significa “liberdade” em alemão e sua primeira coleção foi chamada Uniformes de Pessoas Livres.

“Investiguei sobre o Futurismo italiano até chegar no conceito da TuTa, uma peça desenhada em 1920 pelo artista plástico Thayaht que é considerada o protótipo do macacão como uniforme de trabalho,” explica o diretor criativo. “O nome TuTa vem do italiano e significa ‘contém todas as peças dentro’, de modo que se você recorta essa peça quadrada para montar tudo o que for possível,” explica.

Por isso é que na Freiheit há uma atenção especial ao design racional, em como usar as questões arquitetônicas de espelhamento e simetria nas estruturas de alfaiataria contemporânea. (Curiosidade: o nome Thayaht é um pseudônimo que ele usava em caixa alta, pois sua obsessão com o equilíbrio visual era tanta que só poderia assinar com um palíndromo…)

As peças mais emblemáticas da estreia da Freiheit são itens carregados de elementos funcionais, como uma jaqueta de origem militar francesa e uma parka. Há ainda camisetas, bermudas, calças, capas, tudo com silhuetas retas e amplas por conta dessas particularidades da construção. Na cartela de cores há predominância de cores sólidas _azul-carbono, laranja cáqui, verde e preto_, como uniformes de fábricas. Forma, cor e acabamento então, juntos, trazem essa “estética fabril” como ele define.

Apesar da inspiração funcional que pode remeter também às forças armadas, Marcio Mota evita acionar o recurso de moda vulgarmente conhecido como “tendência militar”, que surge sempre que aparece qualquer menção a camuflados, cáquis & cargos. Diz que preferiu se aprofundar nas construções e nos materiais. “Encontramos nessa pesquisa algumas questões que podiam ser transpostas para nossas roupas.”

Toda modelagem da Freiheit foi desenvolvida originalmente, sem usar desenhos prontos, e partiu desse quadrado que se multiplica em uma grade com vários quadrados dentro _ou seja, a roupa é projetada sem curvas (além do recorte do pescoço). Essa base demorou oito meses para ficar pronta e pauta todo o resto da coleção. “Nosso maior desafio foi dar mobilidade aos quadrados com a finalidade de vestir um corpo, que não tem nada de angular, apenas com linhas retas e diagonais.” Para isso, o sistema de construção de cada peça é modular, que funciona com encaixes geométricos.

“E como tudo nosso tem esse pensamento muito grande em torno do workwear, e a ideia da Freiheit é valorizar muito a questão do processo, de você entrar o ateliê e ver como está sendo construído, ver as costureiras na máquina e a modelista no corte, escolher o tecido e ver a roupa sendo feita… É o mais encantador da moda, o ateliê do estilista tem uma mágica gigantesca!,” defende Marcio no alto de seu showroom-oficina-escritório na rua Líbero Badaró, no centro de SP.

Justamente por conta disso, montar um time tem sido o mais desafiador. É o mesmo motivo que sempre ouvimos de estilistas dessa área: não há mão de obra suficientemente treinada em moda masculina. Leia entrevista com Rodrigo Sasi, da marca Openstudio, de Curitiba. “Tenho três costureiras fixas e uma modelista que têm dado conta de toda produção sem precisar que nada seja terceirizado. Todas são muito talentosas, com anos de mercado, mas sem experiência neste segmento e por isso tiveram que ser treinadas aqui. É ainda mais impossível pois a Freiheit preza por modelagem e design únicos.”

Para apresentar mais profundamente seu processo criativo, Marcio Mota dividiu a coleção em três blocos, que ajudam a compor sua narrativa de moda. A primeira é a linha histórica, um processo de curadoria nos acervos de colecionadores de workwear em Paris e Londres. As peças escolhidas passam por processo de restauro, servem como inspiração para as coleções e passam a compor o acervo da Freiheit, exposto no ateliê. “É diferente de brechó, pois são itens muito elaborados, como macacões e uniformes de aeronáutica dos anos 1920, 30 e 60, vindos dos EUA, França Suécia.” Essa parte, porém, não está à venda.

A linha Work in Progress traz todos os pilotos e protótipos usados nos testes de desenvolvimento. Ou seja, todas as modelagens que ele oferece na coleção oficial existem também em jeans branco. Essas peças trazem com ela uma bula com o número da própria peça. São destinadas à venda e carregam as marcas da criação. Por fim, mas não por último, a linha autoral propriamente dita que é vendida via e-commerce ou com hora marcada no ateliê.

Neste caso, é possível ainda customizar um ou outro item, dependendo dos materiais disponíveis. “Usamos uma sarja peletizada, que tem um acabamento liso e gostoso ao toque, e em contraponto tem um nylon tecnológico, para dar o efeito de contemporaneidade. Estamos fazendo também um exercício com tricôs de tramas abertas, que tem modelagem quadradas mas como é um material vivo ele assume a própria forma.”

Por conta da profundidade de sua pesquisa, decidiu manter esse conceito por ao longo de 2020, trabalhando com duas coleções. Na próxima, que sai no começo do ano, sua modelagem experimental pode vir em amarelo, marinho e roxo. Começaram agora a testar tecidos estampados, com um artista responsável por colagens e estampas localizadas.

Não se engane com o cuidado artesanal de Marcio Mota, a Freiheit não tem nada dos pequenos criadores onde costumam estar os focos de inovação na moda masculina (como Otávio Augusto, sobre quem já escrevi um perfil). É uma marca grande e com estrutura, já vende também na multimarcas Pair, no Jardins, com ticket médio de R$ 1.000. “Ali foi uma boa oportunidade de chamar atenção para a marca, pois nossos canais próprios ainda são pequenos.”

Foi na Pair que a Freiheit chamou a atenção também do público feminino. “Crio para o corpo do homem, mas as meninas têm adorado. É muito moderna a ideia de vestir o corpo com um quadrado, pois você pode finalizar com o styling que quiser. Serve em qualquer corpo e pode-se fazer e usar da maneira que quiser! Por isso estamos baixando a numeração, para oferecer uma grade maior de tamanhos.”

Os próximos passos são aumentar a oferta em multimarcas e estruturar uma possível internalização, deixando desfile para o fim da fila. Pare ele é preciso antes apresentar o conceito, mostrar a qualidade, vender uma roupa boa. “Meu próximo desafio é criar escala, aumentar de 40 peças por mês para 150, não consigo jogar isso em uma produção muito maior. Então um desfile fica fora de planos por ora, pois quebraria esse modelo de negócio.”

Marcio Mota é de Brasília mas estudou em São Paulo: Publicidade e Propaganda na Faap e Moda no Senac. Depois foi para Nova York estudar Branding e Design e para Florença se aprofundar em moda. Trabalhou em agências e no departamento de marketing. “Sempre estudei tanto moda quanto publicidade, mas o mais próximo de moda que cheguei na carreira foi como diretor de marketing da Levi’s. Depois na Havaianas fiz gestão de produtos, quando começaram a produzir mais peças além das sandálias. Eu fiz bolsas e calçados, mas ali não era uma empresa de moda, mas de bens de consumo.”

A partir dai, Marcio Mota passou a atuar como consultor de desenvolvimento de novos produtos para empresas, quando abriu uma agência de design chamada Pharus, reconhecida com prêmios internacionais de design gráfico. “Em 2017 comecei a tatear os segmento de design e fotografia de moda, mas esses tipo de projetos não cabiam na agência, pois trabalhamos com clientes muito grandes de bens de consumo. Então abri uma estrutura paralela, como um estúdio, para que a precificação não fosse tão alta, para projetos de moda, beleza, arte, música. Em paralelo a tudo isso, ele já estava tocando a Freiheit, pois era seu sonho ter uma marca de moda. E esse conjunto começou a rolar superbem.”

Seu projeto é montar um hub de serviços criativos de moda, consultoria de design e estilo. E a marca Freiheit dentro dele. “A ideia da Freiheit é revisitar o passado e trazer de forma contemporânea, por meio da experimentação, do exercício e do fazer, até conseguir chegar no resultado final.”

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