Rodrigo Basso, da Loja Nó
É raro alguma marca ou loja conseguir escapar do estilo “clássico” do homem brasileiro. Por clássico leia-se: careta, sem graça, machista e às vezes até homofóbico. Qualquer avanço em design, cores ou estampas é considerado ousado demais, inapropriado ou… gay! Por isso que qualquer esforço em diversificar a oferta masculina, como o de Rodrigo Basso da loja Nó, pode considerado resistência LGBTQ+.
Desde 2018, ele levou sua experiência em administração e planejamento estratégico e criativo de grandes marcas de varejo em agências de publicidade para criar este ponto de encontro na rua Major Sertório, na Vila Buarque, em SP, com uma seleção de marcas que usam moda como ferramenta de expressão. O fato de ser gay pesou desde cedo nas decisões de Rodrigo Basso…
“Desde muito novo tive essa dificuldade de encontrar roupas e acessórios que de fato me deixassem feliz. Minha personalidade na moda teve sempre essa questão de gênero sexual muito forte. Ao começar a estruturar o negócio, isso tinha que estar inserido no nosso propósito, que é a desconstrução da masculinidade tóxica, com a liberdade de vestir cores ou modelagens mais interessantes,” defende.
Foi a partir dessa necessidade pessoal que Rodrigo Basso deu início a pesquisa e plano de negócio para avaliar se existia realmente um público carente dessa oferta e se isso poderia se tornar um negócio. “No Brasil, há homens que querem se vestir de forma diferente e mais moderna. E não encontram com facilidade o que imaginam. A ideia da marca surge para suprir essa demanda.”
O espaço multimarcas hoje conta com 40 novos nomes autorais da indústria brasileira, além de um brechó. “Juntamos tudo num só lugar, para que esse homem não precise ficar caçando coisas legais por aí”. Entre roupas, acessórios e cosméticos, estão as marcas Roro Rewind, Plágio, DarkLevel, Fauve, Tefé, Psicotrópica, 1991, Chamaruam, Stay Ugly…
São todas marcas com personalidade forte e, de certa forma, bons preços. “É preciso estar de olho nas tendências, mas fazer de um modo só seu, de olho na competitividade. Apesar de ser mais caro que fast-fashion e vivermos um momento financeiro desfavorável no país, a gente também não quer que a loja Nó seja para poucos. A moda autoral pode ser acessível e ela pode chegar em um público maior,” afirma Rodrigo Basso.
Como são marcas pequenas, a produção é mais lenta, e cria um ritmo de trazer novidades o tempo todo pois sai em entregas menores. Outras marcas trabalham com peças únicas, não têm coleção fixa, o que dá uma rotatividade na vitrine, além de dar oportunidade para vários criadores. Lá, fazem experiências de três meses e renovam enquanto houver interesse dos dois lados.
“A questão da quantidade e da novidade dentro do universo autoral é um gargalo pra gente, e uma forma de driblar isso é trazer outras marcas que já são maiores, com venda em atacado, mas ainda com um produto de identidade forte, para entregar novidades com mais frequência,” avalia Rodrigo Basso.
Já fizeram uma coleção em colaboração, em que definiram um norte a ser seguido e uma paleta de cores, mas cada marca depois foi pro seu universo próprio e criou as peças. “No final a gente deu esse nó”. Inevitavelmente, vão começar a produzir coleções próprias, mas com cautela. Rodrigo Basso ainda quer aprender mais deste nicho antes de decidir qual caminho seguir. “Vivemos uma grande transformação no que é ser homem e na nossa relação com a moda. E como em todo processo de transformação muitas respostas ainda não existem!”
O estudo inicial de Rodrigo Basso para a loja Nó começou com a desconstrução dessa masculinidade tóxica, que ganha força com a nova onda do feminismo da atualidade. Então sua principal questão eram os comportamentos e a forma de pensar e agir (consequentemente de se vestir) dos homens brasileiros. Ou seja, “repensar o machismo e como isso se reflete na moda,” como define Rodrigo Basso.
São temas relevantes para ele, mais do que a silhueta masculina propriamente dita. “O que tem de mais inovador no momento é a liberdade. Se você gosta de calça ampla ou um corte mais seco, tem lá. O nome vem desse emaranhado de referências e modelagens, tudo junto e misturado. Não acreditamos que o armário do homem tenha que ser ou assim ou assado. Tem dia que você está a fim de ser mais sem gênero e tem dia que quer ser mais básico…”.
Rodrigo Basso acredita que fique engessado para nos vestirmos quando vivemos muito cheio de regras. “Se a gente for analisar um pouco o mercado masculino, existem as lojas que oferecem bermuda de tactel e camisetona, e as com camisa e calça social, gravata… É tudo muito encaixado dentro de universos fechados. Além dos novos nomes, oferecemos essa junção: do look casual à alfaiataria, dependendo de seu humor.”
Ele defende que não se trata de uma roupa com toques femininos ou sem gênero. “É uma roupa para o homem se sentir à vontade e montar um estilo de acordo com quem ele é, com sua personalidade. É tão livre o que propomos que muitas mulheres acabam comprando.” Segundo o empresário, 40% da clientela é feminina e se identifica também com sua forma de pensar.
Seu público é muito eclético. “Não foi à toa que escolhemos estar no Centro de São Paulo, pois é um bairro democrático, onde todo tipo de gente circula e frequenta. Acabamos atraindo as pessoas que se identificam com essa identidade que a gente prega, independentemente da sua sexualidade. Foi uma surpresa agradável perceber que atendemos também ao público heterossexual. Eles entram na loja e conversam com a gente sobre essa transformação e inovação na forma de pensar, e consequentemente de se vestir… Tive conversas muito construtivas sobre tudo isso.”
Fazem também alguns eventos na loja. “Os eventos são também eficientes plataformas de marketing e de vendas, responsáveis por alavancar o nosso faturamento certamente. Mas têm também essa potência de gerar discussão e de reunir pessoas, de tirar do online, conversar sobre todos esses temas e pautas em torno da masculinidade tóxica e sobre as questões políticas que a gente vive nesse momento. Obviamente sobre a moda também!”
As fotos são de André Klotz.