Perfil: Otávio Augusto, estilista

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Sustentabilidade e varejo (em especial o de moda) costumam ter interesses inversamente proporcionais. É o desafio hoje de toda empresa sintonizar ambos aspectos, e neste segmento é uma necessidade especial. A Ellus foi muito criticada por seu “ativismo de passarela”, pela pouca legitimidade no assunto.  Sempre que surge um dúvida neste tema, aciono o consultor criativo Jackson Araujo, que me indicou o texto de Marina Colerato sobre a falta de ações concretas deste caso. Foi ele também me apresentou o estilista júnior da Ellus, Otávio Augusto, que atuou quase anonimamente nos bastidores desse mesmo desfile. Ele tem uma história muito valiosa que mostra como inclusão social e preservação ambiental podem salvar vidas e a própria indústria da moda.

“Esta é a importância de se olhar para dentro,” define Jackson Araujo, que defende a ideia de que Otávio Augusto precisa ser o primeiro negro dentro da indústria tradicional brasileira a ter poder de decisão. “Não é à toa que sua grande inspiração é o Virgil Abloh. É muito importante inaugurar essa nova era. A indústria que queremos tem que ser inclusiva e diversa e lucrativa e sustentável e transparente… Ela não existe ainda e só será construída no coletivo quando se colocar como agente e paciente desse processo de transformação. É nesse contexto que falo de moda como micropolítica.” explica ele.

Os dois se conheceram no projeto Senai Brasil Fashion e logo em seguida Otávio Augusto foi contratado por Marcello Sommer, que estava como estilista da Ellus na época. Hoje é Thiago Marcon que ocupa o cargo e que fez esse desfile no SPFW que teve uniformes e trajes utilitários, em que Otávio Augusto participou como integrante da equipe. Ele é estilista junior da marca de Nelson Alvarenga e cuida da parte de alfaiataria masculina.

“O que faço tem uma ligação muito forte com a estética da Ellus, que era uma marca muito conhecida na minha cidade quando eu tinha loja de roupas. O Thiago Marcon me deu a oportunidade de fazer uma pesquisa de referências para o desfile e o material que apresentei o agradou, pois ele já queria mesmo resgatar essa estética da marca. Foi um aprendizado enorme para mim poder fazer parte disso. A caminhada tem sido rápida, mas ainda tenho muito pela frente. Estou muito feliz com isso,” comemora Otávio Augusto.

Otávio Augusto é de Ibirité (MG), próximo de Brumadinho. Aos 18 anos fez um curso técnico de mineração e foi trabalhar na Vale, um estágio de um ano na mesma mina Córrego do Feijão onde em 2019 teve o estouro da barragem. Foi nessa época que teve contato com uniformes e acessórios funcionais dos trabalhadores de mineração: EPIs, capacetes, luvas.

“Caminhões, escavadeiras e estruturas pesadas compunham um ambiente distópico. Tinha dias que era escuro demais nas minas e com muita neblina. A gente via os caminhões de estrada, que vinham em nossa direção, mas não enxergava nada além dos faróis. Então esse cenário de caos organizado, apocalíptico, vinha me chamando atenção e me despertou várias emoções que eu não sabia filtrar ainda”, diz Otávio Augusto sobre o contato com uma imagem que acompanha seu trabalho criativo até hoje.

Logo depois, abriu com um amigo uma loja de roupas na sua cidade, numa sociedade que durou três anos. Quando fecharam, ele decidiu continuar a trabalhar com roupas. E da mineração foi para a moda. Uma faculdade de Belo Horizonte seria muito cara, então ele se matriculou em um curso técnico de vestuário no Senai. Otávio Augusto já fazia alguns desenhos e croquis e sempre teve referências de streetwear e rap.

“É um universo que eu gosto muito. A Off-White do Virgil Abloh estava começando a estourar e Kanye West migrava da música para a moda com a linha Yeezy com a Adidas. Em 2015 saiu o documentário ‘Fresh Dressed’, com o estilo afroamericano do hip hop, e teve ainda a turnê ‘Purpose’ do Justin Bieber em que o Jerry Lorenzo da marca Fear of God fez o figurino,” diz ele sobre suas principais inspirações.

Nessa época, veio a São Paulo para uma palestra do Virgil Abloh no Iguatemi Talks, com um portfólio pequeno embaixo do braço. “Foram 8h de viagem de ônibus e quando cheguei aqui a palestra tinha sido cancelada e seria transmitida via Skype. Mas fiquei sabendo que teria um workshop com ele para poucos convidados e um cara que faz parte do MOOC, um grupo de jovens criativos negros de São Paulo, me indicou aos RPs Jeff Ares e Dani Pizetta. Fiquei horas até conseguir falar com eles, que viram o portfólio que estava comigo, gostaram, e me incluiram na lista. No dia seguinte tive até que comprar uma camiseta nova pois não tinha mais roupas limpas!”

Neste workshop, ele fez um manto azul de Nossa Senhora Aparecida, pois na semana anterior havia ido a uma procissão, e teve a chance de apresentar o trabalho para Dennis Whitefiled da revista System; Jonathan, um diretor-criativo da Barneys, e para o diretor de arte Giovanni Bianco. O próprio Virgil depois mandou um texto elogiando. “À noite teve uma festa e o Tim Blanks pediu para tirar uma foto comigo, eu fiquei sem entender. Ele postou alguns dias depois a foto no Instagram. Foi quando percebi que estava no caminho certo!”, recorda.

No curso do Senai, foi aprendendo modelagem e costura e entendendo a dinâmica da indústria. E lá surgiu a oportunidade do Senai Brasil Fashion, que é o concurso que tem o Jackson Araujo como diretor-criativo onde 24 profissionais do país todo participam em duplas, como estilista e modelista, com a ajuda de tutores. Seu primeiro projeto não foi aceito, mas ficou sabendo de um curso de Desenvolvimento de Portfólio no Rio de Janeiro, com a Renata Estefan, formada na Central Saint Martins em Londres, que hoje trabalha na Hermés.

“Seria minha porta de entrada, pois não teria tempo de cursar uma faculdade para aprender a fazer um moodboard e mural de tecidos para inscrever no projeto. O curso custava R$ 3.000,00, então mandei um email pedindo uma bolsa. Ela viu minha foto com o Tim Blanks e me deu uma bolsa integral. Tive que trancar o curso no Senai, sabendo que teria que repetir o módulo depois, e consegui o dinheiro com minha mãe para a viagem.”

De volta pra Minas, conheceu o Douglas, que foi seu parceiro no projeto do Senai Brasil Fashion, como modelista. O tema era sobre inclusão, “Todo Mundo Está na Moda”, e os participantes tinham que falar de algo que fosse uma verdade para ele. “Então pensei em falar nos uniformes de mineração e usei o cenário distópico que eu conhecia para falar de pessoas que sobreviveram a um apocalipse e voltaram para começar uma nova geração. No projeto, esses sobreviventes estavam machucados e sofreram mutilações. Por isso no meu desfile convidei pessoas amputadas.”

Seu tutor no Senai Brasil Fashion foi o Lino Villaventura, que tem um trabalho cênico muito importante, então o trouxe muitas referências. “Foi o melhor tutor que poderia ter. Foi quando finalmente dei um pontapé inicial na minha carreira, um momento surreal na minha vida. Não tenho faculdade, só tenho um curso técnico, mas eu amo roupas e eu amo moda e acredito que eu possa a partir dai trabalhar com isso.” Depois do desfile, mudou-se para São Paulo e começou a trabalhar na Ellus.

Portanto, não é que a empresa não tenha de fato uma postura sustentável. É que talvez ela seja ainda muito embrionária e pouco explorada. Cabe a pessoas como Otávio Augusto (e Jackson Araujo) e mostrar como se faz.

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