O futuro por Jackson Araujo
“Neste atual momento da moda, em que se fala tanto de sustentabilidade, não podemos ser superficiais“. Este é o recado do consultor de moda Jackson Araujo aos 24 estudantes de moda que participam do Senai Brasil Fashion, o programa anual de orientação de moda promovido pela instituição para um grupo restrito de seus alunos, que são selecionados via edital interno e que vêm de lugares tão distantes do país – de Santa Catarina à Paraíba, do Espírito Santo ao Paraná.
Mas essa frase saiu assim, meio com jeito de alfinetada. É que a grande maioria dos alunos estava na mesma sintonia ao defender os temas de suas minicoleções – elas serão apresentadas em um desfile superbem produzido, em novembro, depois de passarem pela orientação dos mestres do projeto: Alexandre Herchcovitch, Lenny Niemeyer, Lino Villaventura e Ronaldo Fraga, além do próprio Jackson Araujo.
Os estudantes repetiram um após o outro os termos sustentabilidade e baixo impacto ambiental enquanto mostravam seus croquis e painéis de inspiração. Na palestra, cujo tema é “O Futuro Já É!”, Jackson Araujo avisou que não é tão fácil assim colocar essas boas (e necessárias) práticas na engrenagem da produção. A fala faz parte da programação intensa do primeiro encontro entre todos os participantes do projeto, que aconteceu no auditório do Cetiqt, o Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil, que fica no Rio de Janeiro, na manhã de quinta-feira (05.10).
“Não basta usar tecido feito de fio de garrafa pet”, disse Jackson Araujo. Com um banho de exemplos de empresas do Brasil e do mundo que estão pontuando bem nesse quesito, provou que a intenção de salvar a natureza não pode parar no discurso. Resultado: uma aula de tendências que impactou de cara todos os alunos em treinamento.
Os casos apareceram no miolo da apresentação, em que o consultor Jackson Araujo explicou o conceito de Muvuca (mundo V.U.C.A): sigla para volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, palavras que resumem os comportamentos que já estão ditando as novas regras de produzir e vender, seja roupa, seja vodca, seja carro.
V, de volatilidade – O mundo está mudando a jato e essas mudanças exigem respostas rápidas, no lugar de simplesmente seguir um plano. Exemplo? A participação de Raury no desfile da Dolce & Gabbana. Convidado a desfilar, o rapper foi surpreendido ao descobrir que os estilistas italianos apoiavam Trump. Em vez de desistir na boca da passarela, ele protestou a seu modo: no final da apresentação, tirou a camisa e mostrou o corpo, onde se lia “protest”. Fotografado até dizer chega, mandou sua mensagem com eficiência. Outro: a famosa Toshiba testa desde 2014 uma nova tecnologia para a construção de hortas – essa mudança de percurso foi o jeito que a empresa encontrou de sobreviver depois que seus disquetes foram aposentados.
U de uncertainty, incerteza – Os planos tradicionais não vão resistir às demandas da realidade. O jeito é tentar algo novo, que pode ou não dar certo – mas é preciso tentar. As capas da revista “Elle”, com conteúdo engajado – falam de homossexualismo, feminismo, plus size –, são uma tentativa positiva, assim como as novas caixas de sapato da Puma – as clever little bags, criadas para economizar espaço nos contêineres, água (1 milhão de litros) e papel (65% menos) levaram 21 meses de pesquisa e prototipagem até serem concluídas. Repensar as regras do jogo e pensar no coletivo, não apenas em lucro, é urgente.
C de complexidade – A diversidade de estilos, estéticas e crenças está com tudo e seu discurso é disseminado rapidamente através da internet. Não somos mais uma massa de consumidores pronta para comprar a mesma ideia. Vamos cada vez mais usar a tecnologia como ferramenta para lidar com este novo mundo. Já tem gente quebrando a cabeça: o amaciante Biosoftness tem nanocápsulas que impedem a absorção de odores do corpo pelo tecido; você lava menos roupa e economiza água. O carro Immortus tem bateria solar e ainda é um protótipo, mas promete!
A de ambiguidade – Não existe resposta certa; há diferentes leituras para um mesmo cenário. As verdades não são mais incontestáveis. O projeto Humanae, em que uma fotógrafa clica a região do umbigo de diversas pessoas para montar uma cartela de cores de pele (um skintone à moda da Pantone), mostra como os tons de pele podem ter matizes infinitos. A Patagonia, marca californiana de roupas e acessórios, devolve benefícios à sociedade: doa 1% de tudo o que é vendido e mantém um projeto de reforma de roupas – o Better Than New (melhor do que novo) é um serviço ambulante de reparos de costura.
Conclusão: é preciso pensar em rede, colaborativamente, para construir marcas com propósitos transformadores. E ser transparente. “Greenwashing não vale”, concluiu Jackson Araujo.