O protagonista anti-herói
Percebi que na época em que comecei a me interessar pelo conceito de masculinidade, como ele é redefinido na história, e de toda a ideia da jornada do herói, de Joseph Campbell, que estava escolhendo meus livros por um mesmo fio condutor: protagonistas masculinos interessantes. Talvez mais anti-herói do que herói, mas estrutura é a mesma, certo?
Parece óbvio dado o farto material que sempre privilegiou o gênero masculino, mas não é tão fácil assim se tentarmos este recorte mais contemporâneo, da cultura pop, do cinema e de personagens que não fazem tudo tão certinho assim. Seguem alguns exemplos do que já li e recomendo.
Obra maravilhosa de Reinaldo Moraes, “Pornopopeia” é um livro policial sobre um cara muito do sacana (em todos os sentidos), de alma livre, beatnik, desprendido e desapegado da família, do trabalho, da própria vida e, principalmente, de valores. É sexo, drogas e rock’n’roll à brasileira, daí pra baixo. Um perfeito anti-herói. Não me pergunte como alguém tão baixo pode ser tão interessante, mas é.
Resumindo bem, trata da história de Zeca, um cineasta de quinta que só faz merda, só faz putaria e acaba se envolvendo em um monte de problema quase que por acaso. O texto é maravilhoso e agradeci muito por ter lido um livro nacional de tão alta qualidade _acabei em seis dias.
“O Psicopata Americano” ficou na minha prateleira um tempão me olhando e me orgulho de ter tirado ele da lista de afazeres. O filme é demais, mas o livro vai muito além. É outro maluco, sacana, pervertido… Mas que você fica vidrado pois o texto é tão bom e tão instigante que você releva. Que ser obssessivo é Patrick Bateman!
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Você já deve saber do que se trata, mas ele é o pior tipo de anti-herói. Não dá a impressão de ter acabado bem como sugere no filme, pelo contrário, ele só afunda conforme as páginas vão acabando… Tem trechos que eu ficava constrangido de ler em público de tão pesado que é. Do jeito que eu gosto.
E como é legal ler algo que seja tão real como retrato de sua época. O recorte sobre os yuppies dos anos 1980 que mostra a vontade de poder que existia naquela década. É no livro que os detalhes saltam mais, porém, com a longa e descritiva lista de restaurantes que o protagonista vai fazendo. É uma aula de nomes da moda e da música de Nova York que dominavam na ocasião.
Outro livro desse autor que já li também é “Glamourama”, que é similar, mas se passa nos anos 1990. A história ronda o afetado mercado de moda dos anos 1990 em NY, com muito “name dropping” de celebridades, modelos e ricaços da época. Aos poucos a loucura vai emergindo, mas até metade do livro dá pra imaginar que estamos em um dia normal de semana de moda. Ou seja…
Costumo comparar seu estilo com o de Irvine Welsh, no sentido de ser um retrato preciso de sua época e espaço. Além de apaixonado pelo filme de Danny Boyle, eu li o livro de “Trainspotting” algum tempo depois. Adoro ler livros de filmes que já assisti (nem sempre dá pra ler antes, né George RR Martin?) e acredito que não atrapalha o prazer da leitura já ter alguma imagem na mente antes. Pelo contrário, gosto de comparar as narrativas e a maneira como o texto foi adaptado para as telas.
Foi um esforço hercúleo, pois é escrito em “escocês” (que é inglês, mas carregado de regionalidades) e 90% coloquial. Precisei de um dicionário de gírias e de uma amiga local para ajudar a entender a história que eu já conhecia. Deliciosamente desafiador.
O recorte é de uma masculinidade frágil da juventude errante da Inglaterra e Escócia nos anos 1990, mas que poderia ser em qualquer cracolândia de hoje. Um tema que ele adora abordar em seus livros é o submundo, como o do fetiche (“Filth”, também adaptado para o cinema, com James McAvoy e tem na Netflix) e o da pornografia (em “Porno”, a continuação de “Trainspotting”).
Como o próprio nome já diz, “A Trilogia de Nova York” são três contos de Paul Auster. O que eu mais gostei foi “Cidade do Vidro”. O que me fisgou foi como ele vai construindo várias personalidades do personagem, pouco a pouco, e ele acaba que se perde entre todas elas num jogo de identidades que emergem e desaparecem.
É um escritor de policiais que se confunde com um detetive particular e passa a levar a sério esse papel. Tudo se passa em Nova York, pelos olhos de um conhecedor à fundo de cada canto da cidade. Tanto que a sensação é de estar em um labirinto. A história é mais reflexiva do que a descrição de ações propriamente ditas.
Nick Hornby é conhecido por mais de um anti-herói, como “Alta-Fidelidade” e “Um Grande Garoto”, ambos com versões para o cinema. Em “Juliet Nua e Crua”, ele conta a história de Tucker Crowe, um músico que abandonou sua carreira sem motivos aparentes, e Duncan, um fã obcecado que começa a ter problema com sua mulher por conta disso e ela mesma começa a fazer parte da história. São livros gostosos de ler, bem pop. Li também dele “Alta-Fidelidade”, que é tão bom quanto o filme, apesar de ser um cenário totalmente diferente por se passar no interior da Inglaterra.
Me debulhei de chorar com o filme, mas não chorei nadinha com o livro de “Peixe Grande”, de Daniel Wallace. Não porque é menos emocionante, pois qualquer obra que trate da relação com o pai é sensível para os machos em geral. Aqui no caso o antagonista (o pai) é o anti-herói, que embate com o filho que é super rígido.
Mas acho que a adaptação de Tim Burton ganha com os recursos visuais. No texto, volta a ser apenas uma fábula e depende um pouco da sua imaginação ir tão longe nas alegorias que ele apresenta. É curto e rápido.
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