Cowboy queer
Quando usado fora do seu contexto original, o estilo cowboy cobre os homens com um manto de virilidade. Antes, porém, tinha um papel de reafirmação de masculinidade, mas hoje vem sendo usado com deboche, como válvula de escape criativa e também como quebra de paradigmas, principalmente para artistas LGBTQ+ nas grandes premiações de cinema.
O visual do peão de boiadeiro como ficou conhecido até hoje é um combo de calça justa com cinto e fivela, bota, camisa (muitas vezes xadrez) e chapéu de palha. Às vezes há um colete. Ele se firmou entre os séculos 19 e 20, quando os vaqueiros do oeste americano começaram a olhar para sua cultura como uma forma de identificação coletiva e também de valores como individualidade e independência.
Os rodeios eram o ambiente em que a cultura local podia ser melhor compartilhada e desenvolvida naquele contexto, por meio de romantizações em suas poesias e músicas, que falavam sobre a vida no faroeste, representação masculina do cowboy e seu nacionalismo. Após a Guerra Civil Americana entre 1861 e 1865 essas festividades começaram a se espalhar pelo país chamando atenção para a cultura do interior.
Foi com a popularização do cinema que o look do cowboy foi internacionalizado, a partir de diversos títulos, como “Duelo ao Sol” (1946), dirigido por King Vidor, que inicia uma estilização do vestuário cultural dos vaqueiros com lenço de flanela e cintos com fivelas muito sofisticadas. Mas o combo não mudou sua essência. O look cowboy significava a segurança na hora da cavalgada mas também o estilo másculo que eles buscavam para os galãs. Quando esteve na Calvin Klein, Raf Simons pastou por esses campos ao resgatar o estilo americano-raiz. Ralph Lauren foi outro que fez do look cowboy algo chic.
Em tempos presentes, uma visão queer tomou conta dos símbolos que representam um cowboy. Buscam repensar os valores de machão que antes tinham, mas são distantes também do “macho discreto” que vemos na situação em que dois amigos de longa data acabam se apaixonando e vivendo juntos discretamente, em “Brokeback Mountain” (2005).
De acordo com o artigo “A Fronteira Queer: Cowboys Americanos e o Sub-texto LGBT”, de
Jacob Dagit para o site Shreded, a forma que o cowboy queer é vista hoje vêm baseada no romance “The Virginian”, de Owen Wister, onde conta a história de Virginian e Steve, que disputam entre eles o amor de uma professora nova do rancho, mas que no decorrer da disputa acabam se apaixonando um pelo outro. “A homossexualidade pode não ter sido clara na eṕoca mas, devido aos relacionamentos que Wister teve com os vaqueiros do Ocidente, deixamos à nossa arte que ela desfile despida”.
Nas últimas premiações, Diplo e Lil Nas X evocaram cowboys de formas diferentes. Diplo, de forma mais discreta, passou pelo tapete vermelho com estampas sóbrias e minimalistas mas com cores fortes, em sintonia com as identidades visuais de seus projetos.
Ao seu lado estava Orville Peck, um músico canadense que também chama a atenção pelo visual de peão extravagante. Assimilado como headliner da new wave desta década que começa, ele imprime sua estética como um vaqueiro hipster da cidade, uniformizado de roupas do universo country de marcas baratas e suas máscaras de franjas onde apenas ficam visíveis apenas seus olhos azuis e sua boca. Indagado por diversos veículos sobre o porquê de se mascarar para fotografias, ele sempre rebate que a máscara amplifica detalhes que passam despercebidos por quem o observa: “As pessoas acreditam que serve para esconder algo, mas na maioria das vezes, ela revela quem você realmente é”, disse o cantor à GQ Britânica.
Já Lil Nas X revoluciona, com um recorte kitsch da estética faroeste, onde imprime uma leitura da cultura LGBTQ+ nas peças. No Grammy 2020, por exemplo, ele usou um conjunto rosa néon da Versace onde faz referências ao acessórios da prática de bondage. Quando artistas como ele, que é negro e LGBTQ+, embarcam no estilo musical country seguindo sua identidade visual, significa uma quebra de paradigmas, se olharmos para a estrutura conservadora e machista da cena country.
Assim como o cantor, outras pessoas têm defendido uma revisão do estilo cowboy, por meio do movimento Black Yeehaw Agenda, que é expresso como uma contestação do que é a identidade norte-americana impressa culturalmente, e dando holofote para cowboys negros que foi ocultada por anos pela indústria cultural.
No texto de Brooke Marina sobre o Black Yeehaw Agenda para a revista W, ela diz que havia uma porcentagem considerável de cowboys negros que foram esquecidos pela impressão caucasiana de Hollywood, mas que eles existiam e se tornaram especialistas no cuidado equestre. “Durante a Guerra Civil, os fazendeiros do Texas deixaram o gado em cuidados dos escravos negros enquanto os proprietários do gado lutavam em batalha. Depois que a guerra terminou, muitos escravos haviam se tornado cowboys peritos, e aproximadamente 25% deles eram negros”.