Modelo Tales Cotta

Tales Cotta

Nada do que aconteceu nos seis dias desta edição vai superar a notícia da morte de Tales Cotta no SPFW. O modelo desmaiou durante um desfile e caiu de frente no piso de cimento queimado, onde ficou imóvel até ser socorrido. Foi levado em uma maca para fora da sala, onde recebeu assistência, e foi encaminhado para um hospital.

Em 20 anos de cobertura de moda (que começou com o primeiro São Paulo Fashion Week com esse nome), nunca vi nada igual. Em uma sala cheia de gente imersa no escuro, com um corpo estirado de bruços no chão sob iluminação cenográfica, a primeira pessoa a reagir foi a menina que veio desfilando depois dele. Sua foto com a mão na boca, aterrorizada, foi capa da Folha no dia seguinte. É um grotesco retrato da nossa sociedade do espetáculo.

Uma mulher se levantou da cadeira e foi até ele em seguida e, sem ação, chamou pelos bombeiros. Um outro rapaz levantou depois, mas também não sabia o que fazer além de procurar por ajuda cerrando os olhos contra a luz para tentar enxergar alguém nos bastidores.

Entraram em cena então os organizadores do evento com seus rádios e só depois uma mulher da brigada de incêndio. Ela também viu que não podia fazer nada sozinha e voltou com ajuda, cerca de meia dúzia. O grupo decidiu trazer uma maca e finalmente Tales Cotta teve seu rosto virado do chão. Tenham sido segundos ou minutos, pareceram horas.

Alguns colegas jornalistas se levantaram em direção a saída. Para fazer isso de onde eu estava, eu teria que contornar o exato local do acidente, duramente iluminado pelos holofotes da passarela. Fiquei sentado ali de frente, petrificado como todos os outros. O efeito manada de uma saída em massa poderia gerar um tumulto e dificultar ainda mais o atendimento.

Cogitou-se a hipótese dele ter tropeçado nas fitas das sandálias que completavam os looks da coleção da Ocksa que Tales Cotta desfilava, mas não é que ele perdeu o equilíbrio. Ele apagou na nossa frente. Não há informações sobre as causas ainda, mas especula-se que ele tinha um mal congênito.

Conversando com uma médica especializada em trauma, ela disse que se qualquer pessoa na sala tivesse treinamento em técnicas de primeiros socorros poderia ter feito uma massagem torácica nele até a chegada do socorro, aumentando suas chances de vida. No entanto, não quiseram mexer em seu pescoço por conta de sua posição. Qualquer decisão ali seria muito delicada.

Nesses 20 anos, o evento se profissionalizou o suficiente para ter equipes responsáveis para cada tipo de emergência. Então, depois de encaminhado, o caso foi tratado como um problema resolvido, levando à decisão de continuar com a apresentação. Não houve negligência nenhuma no atendimento a Tales Cotta. E não poderiam prever ainda que ele viria a falecer cerca de 1h depois. Mas não previram também o rigoroso tribunal da internet.

Foi nesses 20 anos também que a internet se tornou elemento muito importante na cobertura das temporadas no mundo todo. Toda indústria da moda foi remoldada depois que passaram a usar o recurso, aumentando a velocidade de transmissão de informação, o alcance e a segmentação da audiência e, curiosamente, diminuindo o espaço para manobras. Mas, principalmente, a internet e as redes sociais são usadas pra que as pessoas possam se sentir dentro de algo ou mais próximas de alguém.

Um desfile não começa e não termina na hora do show em si, é um trabalho de meses que une vários elos de uma cadeia. É compreensível terem terminado com os poucos que faltavam no último dia depois de uma longa semana de apresentações. O desfile da Ocksa foi então retomado do começo (muito provavelmente para que fosse registrado de uma vez só para o vídeo).

De fora, a decisão de continuar soou como frieza para muitos. De dentro, a trilha pesada do desfile se confundia com a sirene da ambulância que ainda saia do evento rumo ao pronto-socorro, atrapalhando qualquer julgamento.

Quando você entra no espiral da suprema corte online, pouco há a se fazer _você já foi condenado. O debate não deveria servir apenas para apontar culpados, mas para refletir como tratamos uns aos nossos e como a moda pode ser mais humana. Menos exata. É preciso olhar pra frente, mas igualmente para o lado.

This Post Has 6 Comments
  1. […] Não estive lá, mas acompanhei relatos quase ao vivo de colegas de profissão e a incredulidade era geral. A começar pela queda ainda sem diagnóstico de Tales, que nos primeiros segundos ainda acreditou-se que poderia fazer parte da performance. “De fora, a decisão de continuar [o desfile] soou como frieza para muitos. De dentro, a trilha pesada do desfile se confundia com a sirene da ambulância que ainda saia do evento rumo ao pronto-socorro, atrapalhando qualquer julgamento”, escreveu em seu blog o jornalista André do Val. […]

  2. Paulo Borges só desceu de seu pedestal de soberba, vaidade e arrogância e gravou um vídeo pra lá de ensaiado se explicando, quando se deparou com críticas severas e sua incompetência veio a tona. A OCKSA publicou notinha padrão de lamento e tristeza, mas continuou o desfile, com direito a entrada do Igor Crivellaro para receber as palmas. Nojo e ojeriza é o que sinto pela Luminosidade e pela Ocksa.

  3. Tempos difíceis esses…quem esta fora quer entrar, nem que seja só para julgar. Quem está dentro se segura no que dá. Moda, jornalismo e Brasil são uma espiral crescente de mais do mesmo.

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