Desfiles SPFWN47

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Muito vem sendo debatido sobre o papel das semanas de moda, não só no Brasil. O canal aberto entre marca e consumidor via internet permite ações direcionadas muito eficientes e serve como uma opção mais possível para muitas delas, uma vez que essa vitrine dos desfiles foi por muito tempo um espaço muito pequeno e hermético. O texto do Eduardo Viveiros em seu site Calma.Ltd, que está na newsletter sobre os desfiles SPFWN47, explica bem esse momento entre as marcas e os eventos e como a relação entre eles beneficia a todos mais equilibradamente.

Depois de uma semana de apresentações na Arca, que acompanhei com o colaborador do site Caique Foltran, podemos afirmar que João Pimenta é dos que puxam os desfiles SPFWN47 pra cima. Fez uma performance densa de conteúdo e de ideias que, ao mesmo tempo que reúne tudo o que já fez até ali nas ambiguidades e desconstruções, consegue representar o hoje e o agora de forma cristalina.

Cria híbridos com uniformes destruídos e alfaiataria, com figuras masculinas e femininas, todos finalizados com fitas cobrindo a boca e sacos de plástico sobre o rosto dos modelos. É uma resposta da passarela ao noticiário. Vale ler o texto do Jackson Araujo, “A moda que não quer calar”.

Veste um homem cinematográfico: carregado de drama e para ser visto em super HD… João Pimenta encontrou seu espaço comercial com uma alfaiataria moderna que ganhou bastante espaço em festas de casamento e qualquer outra situação em que é preciso usar terno mas você não abre mão de comunicar personalidade.

Trabalha também com acervos de tecelagens para por em uso materiais esquecidos em estoque; verdadeiros tesouros para um artesão como ele. Sustentabilidade é o presente e o futuro da indústria e João Pimenta tem um modelo a ser seguido para quem quer sobreviver nos duros tempos vindouros. (A seguir as marcas na ordem do calendário de desfiles SPFWN47.)

Há espaço também para novos nomes, com coleções mais leves e comerciais, que trabalham as informações de moda do momento, como esta pochete-harness da Another Place, que pega carona no sucesso do acessório desfilado por Virgil Abloh na Louis Vuitton e que vai  pautar todo o streetwear pelos próximos anos.

No seu desfile de estreia, a marca explorou a macrotendência da alfaiataria com esportivo, e foca no conforto (graças a uma parceria com o movimento Sou Algodão, 70% das peças são compostas com fibras vindas de uma cadeia sustentável). Com design limpo mas com tempero contemporâneo, o destaque fica para os macacões e calças com recortes estratégicos na altura dos quadris. Preto, branco e cinza predominam na coleção, que ainda contou com toques de laranja e azul.

Beira é uma marca com um modo bem autoral de fazer roupas, com um desenho atemporal de peças em seda, algodão e lã construídas longe do corpo e em cartela de tons neutros (desta vez, em gradações de preto). Norteada pelo avesso das peças, a coleção mostrada nos desfiles SPFWN47 chama a atenção para o traço delicado das costuras. O degradê das linhas evidenciava a modelagem de camisas, calças, casacos e macacões.

Amir Slama e Lino Villaventura são dois nomes longevos no calendário nacional. O primeiro, pelos corpos que desfila com sua moda praia provocativa. Nesta temporada de desfiles do SPFW, apresentou uma coleção com a ong da atriz Suzy Pires que promove inclusão de mulheres na cadeia produtiva da economia criativa. Desfilada por uma turma de influencers trans, drags, queers, gordas e blacks antes e depois da coleção principal (que por sua vez vestiu as modelos magras e altas de sempre), Amir Slama deu a impressão de segregação, como reportou Giuliana Mesquita na Folha de S.Paulo.

Já com seu masculino que sempre vestiu guerreiros, Lino Villaventura confirmou outro texto da Folha de S.Paulo, em que Pedro Diniz fala sobre o aumento da estampa de camuflado nas coleções. Participei da reportagem, que debate se é uma forma de protesto e resistência ou endosso ao militarismo, ou apenas a apropriação que a moda faz das imagens que ficam em nossa retina…

A moda da Cacete Company também é mais pé no chão e ligada no que já existe no streetwear global e no culto à tecnologia. Porém em se tratando de elenco, compôs um dos mais variados dessa temporada de desfiles SPFWN47. E nem tanto confrontando as ideias de masculino ou feminino, branco ou preto… Pôs todo mundo no mesmo saco e propôs uma ideia diversa de beleza de fato. Como ouvimos bastante nesta edição: moda também é sobre gente e não apenas sobre roupas.

Na Handred, André Namitala também faz um bom equilíbrio entre conceito e produto, com uma coleção toda inspirada no Rio Vermelho, em Salvador, na festa de Iemanjá, no axé e nos Orixás. Assim, além da cartela de cores quentes, tirou búzios (que aparecem ora bordados, ora estampados), e as proporções afro de túnicas até os joelhos sobre as calças. Uma coleção leve e usável, mas cheia de significado e coerente com o trabalho do estilista até agora. Os sapatos tressê são uma parceria com a Democrata.

Cotton Project resgata contraculturas das décadas de 1950 e 60, em que jovens questionadores passaram a tratar a escalada em rocha como um esporte. A marca sempre trabalha com uma pincelada de olhar para o passado, o que dá um ar “The 70’s Show” para sua coleção escura que mistura alfaiataria e esporte.

A mistura das crenças serviu como ponto de partida para a coleção da Ratier Clothing. O streetwear dá o tom na modelagem, que aparece ora oversized, ora mais ajustada. Golas e cortes trazem as referências de religiosidade. Há uma predominância de tons escuros mais sóbrios, como cinza, marrom e preto, mas a coleção traz em alguns modelos o roxo, branco e amarelo. Destaque para o macacão que apareceu de várias formas: manga longa, sem manga e na altura dos joelhos.

“Guerra e Paz” de Candido Portinari, serviu de inspiração para o estilista mineiro Ronaldo Fraga, outro que sempre trabalha seus desfiles como manifestos. Com uma modelagem mais solta do corpo, as peças -camisas, calças, camisões, bermudas e macacão- servem como base para recortes da obra usada como estampa. Listras, camuflado, balas e estilhaços também aparecem (bordadas ou estampadas).

As cores usadas na obra, servem também como cartela de cores da coleção: amarelo, tons de azul, vermelho, branco e roxo. Houve uma comoção em redes sociais por conta do rosto de Marielle Franco desenhado nas costas de uma camisa, mas quem criticou não conhecia seu trabalho questionador, tratando suas criações como camisetinhas de Che Guevara.

Estreando no evento, a marca Ocksa teve sua apresentação marcada pela tragédia da morte do modelo Tales Cotta em cena. Sua coleção trabalha com as formas amplas pelas quais ficou conhecido o estilista Igor Crivellaro, trabalhadas nessa edição com mistura de materiais e pontas soltas que deram às peças um ar etéreo.

Gustavo Silvestre, que está a frente do Ponto Firme, cria uma coleção com peças produzidas por 21 reeducandos da Penitenciária de Guarulhos e três egressos que trabalham atualmente com o estilista. Com o tema “Oportunidade”, a coleção apresentada junto aos desfiles SPFWN47 foi elaborada coletivamente com o crochê como inspiração principal, composta por blusas, calças e casacos. O projeto contou com a parceria das linhas Circulo, Melissa e Levi’s – que forneceram peças que sofreram intervenções ou foram usadas como base para as criações do projeto.

Retornando ao SPFW, a Cavalera, que tem seu foco no streetwear, levou as passarelas uma homenagem os principais integrantes da cultura de rua. A alfaiataria também presente na coleção, vem em proporções amplas e com misturas de cores estampas e tecidos, mantendo uma estética hip hop das ruas. Foi um ponto final à intensa semana de desfiles SPFWN47.

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