Homens nas capas de revistas
Não é de hoje que homens protagonizam capas de revistas de moda, impressas e digitais. Só em 2020, Cauã Raymond estampou três capas de revistas “Harper’s Bazaar” Brasil, o cantor Maluma foi capa da “Elle” norte-americana e Harry Styles, ex-One Direction, entrou para a história ao ser o primeiro homem em uma capa solo na “Vogue”. Mais recentemente, o rapper Mano Brown esteve em uma das quatro versões da “Elle” Brasil impressa.
Entre artistas e modelos, as capas de revistas femininas têm investido na figura dos homens para revelar mais sobre masculinidades possíveis no jornalismo de moda hoje. Para o designer e professor universitário Mário Queiroz, o termo “revistas femininas” fez os veículos serem destinados somente às mulheres. “Com o tempo, suas propostas avançaram numa agenda mais aberta”, aponta.
“Um ator ou modelo bonito vende qualquer produto, e é importante lembrar que pode agradar a públicos de todos os gêneros que a acompanham”, alerta o designer sobre a presença masculina e a diversidade de públicos e interesses nos conteúdos de moda e capas de revistas. Em meio às transformações que o impresso tem passado pela ascensão das mídias digitais, pesquisamos algumas das principais publicações para entendermos esse fenômeno dos homens nas capas de revistas femininas.
Masculinidades, plural de propósito
Ao analisar a representação masculina no livro “O Homem Desmascarado: A Imagem do Homem na Moda” (2009), Mário Queiroz acredita que os meios de comunicação estão buscando uma linguagem menos tradicional.
“Sinto que na medida em que avançamos com as discussões sobre masculinidades, as capas de revistas, mesmo as mais conservadoras, precisam se modernizar e buscar novas propostas”, aponta o pesquisador.
De todas as formas de viver e retratar masculinidades – no plural proposital -, a mídia sente o termômetro do tempo em que fica cada vez mais clara a “importância de construir, de forma autêntica, empática e coerente, uma identidade e um posicionamento visual cuja mudança ocorre de dentro para fora e de fora para dentro”, destaca a consultora Fran Galvão.
Entre capas de revistas, matérias e (algumas) polêmicas, a representação do homem na mídia, para o professor Mário Queiroz, é “um bom exemplo da importância desse momento da moda sendo possível para todos os gêneros”, arremata.
Com páginas disputadas por profissionais do mercado editorial, a Vogue também já produziu capas de revistas com homens. Por ser uma publicação convencionalmente feminina, a figura masculina foi sempre retratada ao lado de mulheres.
Louvando talentos e nomes do Brasil, Gisele Bündchen e Neymar Junior estamparam juntos, pela primeira vez, a capa da Vogue Brasil no início da Copa do Mundo de 2014, em imagens assinadas por Mario Testino. Com predominância do branco e de alguns detalhes em acessórios, os looks destacavam a bandeira nas mãos da modelo.
Em outra perspectiva, Harry Styles, ex-integrante da boyband One Direction, foi capa da Vogue Americana em dezembro de 2020 em edição histórica por ser o primeiro homem a protagonizar sozinho uma capa para o título.
Com roupas convencionalmente femininas – saias, colares, vestidos e blusas -, o cantor estrelou a matéria PlayTime, assinada por Hamish Bowles e com fotos de Tyler Michell. A parceria entre o cantor e a Gucci reforça a quebra de padrões e o surgimento de um novo modelo para o homem representado pela casa italiana de moda.
“Existe nele a aura de um rockstar inglês – como um jovem grego com a atitude de James Dean e um pouco de Mick Jagger – mas não há ninguém mais doce. Ele é a imagem da nova era, da nova forma como o homem pode parecer”, descreve Alessandro Michele, diretor criativo da marca, sobre o Harry Styles, com quem tem uma amizade famosa nas redes sociais.
Resgatando o passado para entendermos o contemporâneo, a consultora de imagem Fran Galvão lembra que “existem muitos elementos do vestuário que, na história da moda, faziam parte do guarda-roupa feminino e masculino, como saias e túnicas e que, devido à divisão de gênero, passaram a ser exclusivamente destinados às mulheres”.
É nessa busca por liberdade que vem surgindo uma nova masculinidade. “Menos dolorida e mais tranquila em relação à própria sexualidade; uma mentalidade que entende e abraça o agênero e permite brincar com a própria aparência na hora de se vestir”, completa a consultora.
A quebra da binaridade de gênero na moda já é uma realidade para marcas, produtos e consumidores. “Existem roupas para homens e roupas para mulheres, uma vez que você remove barreiras, obviamente abre espaço e pode brincar. Eu vou às compras e, algumas vezes, me pego admirando roupas femininas e as achando incríveis”, declarou o próprio Harry Styles à Vogue Americana.
Bem descolado e voltado ao público de moda, o conteúdo de Elle sempre priorizou textos e imagens bem produzidos, inusitados e que gerassem certo buzz no universo online. Em setembro de 2016, a edição francesa da revista teve o cantor Zayn Malyk como protagonista de uma capa bem expressiva. Em 2018, ele que também é um ex-integrante da boyband One Direction voltou em imagem de corpo inteiro, com novo corte de cabelo e olhar penetrante que gera curiosidade no público da revista.
Nesse quesito, quem já impôs novos padrões na estética masculina foi o ex-jogador inglês David Beckham. No início dos anos 2000, o jogador representou o homem metrossexual que cultiva o corpo ao extremo, fazendo dos cuidados estéticos um lifestyle. O corpo coberto por tatuagens, além das atitudes dentro e fora dos campos fizeram o personagem de capa ser requisitado por uma masculinidade madura e preocupada com sua imagem.
Em julho de 2012, Elle enquadra o jogador em duas capas com ênfase no olhar e na posição do corpo cujas mãos tocam o cabelo, um dos símbolos da preocupação masculina com a aparência. Em outra versão, o corpo tatuado é exposto (quase) espontaneamente, marcando a transformação de uma masculinidade que até então não aceitava rituais de autocuidado nesse universo.
Se um corpo tatuado é um depoimento de estilo, a latinidade e o espírito jovem também fazem parte da capa protagonizada pelo cantor Maluma em novembro do ano passado. “It’s Maluma, baby!” mostra a simplicidade do corte de cabelo, a tradicional polo da Dior e a piscadela para o leitor transmite o sucesso e a imagem de uma nova geração da música pop latina em destaque.
No Brasil, o rapper Mano Brown foi clicado por Bob Wolfenson para uma das versões de capa da Elle impressa. Em entrevista que exalta seus 51 anos dos quais boa parte passou como integrante do grupo Racionais MC’s, o cantor revelou bastidores da carreira, falou o que pensa sobre política, seus sonhos e ancestralidade.
Com o rosto em close e marcado por uma corrente Louis Vuitton, a agressividade da imagem traduz sua representatividade artística. Retratando a realidade da periferia paulistana, suas letras ainda ressoam sentidos para uma masculinidade que vai além de padrões e convenções puramente estéticas.
Uma das publicações do grupo Globo Condé Nast, a Glamour Brasil já estampou o perfis masculinos em diferentes fases. Em abril de 2012, no aniversário de dois anos da revista, Cauã Reymond foi o bom moço romântico de duas capas com fotografia de corpo inteiro, em estilo black-tie com balões e laços de presente.
“Para estampar uma capa, hoje, é preciso trazer personagens que conversem com as pautas que trazemos (moda, beleza e comportamento) de um ponto de vista feminista, diverso e interseccional”, esclarece Giovana Romani, diretora de conteúdo da revista. Além de servir de termômetro do que acontece no momento, a capa traz algo relevante ao leitor com apelo comercial e que tenha repercussão nas redes sociais.
“Os homens estão na Glamour Brasil acompanhando mulheres, nosso foco, a quem queremos empoderar”, enfatiza Giovana. Os últimos homens na capa da Glamour foram Júnior Lima, acompanhando a mulher Mônica Benini, e Alexandre Cioletti com a namorada, a atriz Pathy DeJesus na edição de Dia dos Namorados em 2019. “O homem até poderia ser pauta no título, mas seria uma reportagem direcionada a mulheres falando sobre homens”, explica a jornalista.
Na edição de fevereiro deste ano, a colunista Luiza Brasil (@mequetrefismos no Instagram) abordou como a inveja masculina acaba limitando mulheres a celebrar e a dividir suas conquistas na relação heteroafetiva. O homem ocupa um papel coadjuvante, mas presente em publicações cujo público feminino ainda é maioria.
Muito bom! Mais que um artigo, um verdadeiro ensaio sobre o assunto. Poderia – caso ampliado- virar um ótimo livro sobre o tema. Parabéns