Lula Rodrigues

Lula Rodrigues

Mesmo antes de saber do AVC que sofreu em outubro de 2017, eu já havia passado algum tempo perguntando aos colegas de semana de moda: “e o Lula Rodrigues?” Pouca gente sabia dizer, mas muitos já sentiam falta da sua presença recorrente na cobertura dos eventos por todo o país, sempre com um abraço, um sorrisão largo, um acessório novo e um verbete de moda para ensinar.

Lula Rodrigues é, além de muito educado, um colecionador compulsivo. Talvez até possa ser considerado acumulador. Construiu ao longo dos anos um enorme acervo de revistas, livros e almanaques, de onde tirava recortes com o que achava importante registrar sobre história da moda, marketing, comunicação, design gráfico, arte, comportamento e literatura. Acompanhei na época a sua breve mudança para São Paulo e o trabalho que foi o deslocamento de toda a papelada que ele fez questão de trazer na bagagem.

Com este material todo de pesquisa, ele fez uma enciclopédia, que por muitos anos chamou de “Almanaque de Moda Masculina”. Ele falou tanto deste livro, e mudou a data de lançamento tantas vezes, que cheguei a desconfiar se um dia ficaria pronto realmente. Quem me confirmou uma vez foi a Cecília Lima Caldas, do blog Closet Online (outro dos pioneiros da internet de moda no Brasil), que o ajudou bastante nessa época em São Paulo e viu os manuscritos. Ele voltou para o Rio muito brevemente, para cuidar da mãe que teve Alzheimer. Sua morte e depois a da babá com quem conviveu a vida toda o abalaram bastante e por isso andava sumido nos últimos anos.

Quem me deu notícias mais frescas, no entanto, foi Thereza Duarte, uma assessora de imprensa do Rio com quem ele cursou a faculdade. Com Ione Costa, Patrícia Veiga, Silvia Pfeiffer e Daniela Oliveira, ela faz parte do grupo de amigas que assumiu os cuidados de Lula Rodrigues, que deste o acidente está hospedado em um lar de idosos em Petrópolis (RJ), onde segue com sessões de fisioterapia e fonoaudiologia. Ele reconhece as pessoas e parece entendê-las, mas consegue se comunicar pouco.

Para pagar o tratamento, elas tiveram que vender seu bem mais valioso: a tal da super biblioteca de moda. Contudo, o dinheiro arrecadado com a venda do que demorou uma vida para ser reunido conseguiu mantê-lo por cerca de um ano apenas. E agora a jornalista Susana Barbosa lançou um segundo financiamento pela internet para ajudar com as despesas, até que ele passe a receber aposentadoria por idade. A primeira vaquinha havia sido organizada por Dimitri Mussard e Nicolas de Virieu na mesma época da venda dos livros.

Ao que tudo indica, o maior legado de Lula Rodrigues, o Almanaque deve ser finalmente lançado pela editora Senac Rio, agora com o ambicioso nome: “400 Anos de Moda Masculina”. (Tenho certeza que estudou cada um deles a fundo!) A publicação vai ajudar com o custeio dos tratamentos, e eternizar a pesquisa gigante que fez. Serve ainda como um reforço enorme para a documentação do segmento de moda masculina no Brasil, que não pode ser perdido.

Mais do que tudo, porém, me tocou a mobilização que notei entre muitos conhecidos que, como eu, sentaram ao lado de Lula Rodrigues e ouviram suas histórias. Bastante gente se viu na mesma posição que ele, frente as incertezas que temos na vida, na moda, nos relacionamentos. Estamos todos vulneráveis a solidão, aperto de grana, problemas de saúde… E precisamos criar redes de apoio como a que criamos em torno dele.

Tive oportunidade de conversar bastante com ele sobre o espaço para a cobertura de moda masculina na nova era digital e sempre o tive como um exemplo neste segmento que é tão escasso. Lula Rodrigues foi o primeiro grande jornalista especializado no assunto a usar a internet com todos seus recursos. Antes dele, teve Fernando de Barros que falava de moda masculina, principalmente nas revistas e nos livros e não chegou a ter presença online.

Antes de migrar para a tela do computador (ainda não era o tempo dos celulares), Lula Rodrigues trabalhou no jornalismo impresso e de TV. Nasceu no Sul, mas é considerado carioca desde que cursou a escola de belas artes na UFRJ nos anos 1970. Em seguida, começou trabalhando como arte-finalista de história em quadrinhos e em agências de publicidade, antes de descobrir a moda.

Foi produtor de moda e depois editor no “Caderno Ela”, o feminino do jornal O Globo, de 1988 a 1994, onde trabalhava com Patrícia Veiga. Depois seguiu também como produtor e editor, mas já especializado em moda masculina, na revista Ele & Ela, da editora Bloch. Na TV Globo nos anos 1990, foi colaborador na redação dos programas “Radical Chic” e “Gatão de Meia Idade”, do cartunista Miguel Paiva, e do programa GNT Fashion bem no início, quando era apresentado por Betty Lago.

Nos anos 2000, teve blogs e colunas sobre moda masculina no portal iG e no site do Caderno Ela, além do canal próprio no Tumblr e no YouTube “Ueba TV”, o programa especial Lula A-Dorei para a Casa de Criadores, e conteúdos customizados para marcas como O Boticário e Rafael Steffens. Ajudou a formar uma série de jornalistas na linguagem multiplataformas _vídeos, blogs e redes sociais. Foram seus assistentes: Glauco Sabino, Augusto Paz e Enrique Jimenez (que fez a foto do post em uma viagem de trabalho à Colômbia).

Encontrei duas entrevistas interessantes dele, uma para o FFW e outra para o blog do Vitor Angelo, já falando sobre gêneros em 2008… É uma honra pra mim ter convivido por tanta gente bacana como os que citei no post e principalmente o Lula Rodrigues.

This Post Has 2 Comments
  1. Conheci o Lula Rodrigues, como editor ou colunista, não me lembro, do Ele &Ela, quando cuidava da comunicação da Swarovski Cristais, depois o procurei no lançamento da Italia Independent. Sempre o achei gentil e super focado em Moda. Um cara de respeito mesmo no assunto. Sinto muito por tudo isso. E espero que ele fique bem. Sem dúvida que vou esperar ansiosa por este lançamento!!!! Obrigada pelo Artigo André do Val!

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